Participação nos lucros no contexto das Organizações de Sociedade Civil: Alterações no cenário normativo decorrente da Lei nº 14.020/2020

O tema da concessão de bonificações, prêmios e participação de lucro aos trabalhadores do Terceiro Setor sempre foi visto com muita cautela pelos gestores e advogados. Isso porque, às entidades sem fins lucrativos não possuempor óbvio lucro. Segundo, em que pese não lhes ser impedido obter superávitsesses devem ser aplicados, integralmente, na manutenção das finalidades sociais. Aí nasce a insegurança de diversos dirigentes: Posso (ou não) instituir programas de recompensas aos meus colaboradores? 

Essa banca sempre ponderou a necessidade de distinguir a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de outras “políticas de recompensa” por desempenho funcional. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) evidencia a diferença de natureza jurídica entre esses institutos, prevendo a existência do “prêmio” e da “PLR”. O PRÊMIO é uma forma de incentivo em bens ou serviço, eventualmente concedidos em programas de incentivos, conforme disposto no art. 611-A, XIV, veja: 

 

Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:   

(…) 

XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;      

 

Em outra oportunidade, a CLT faz referência ao pagamento de “prêmio” no art. 457, na qual conceitua e define que o pagamento não integra a remuneração do empregado, veja: 

 

Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. 

(…) 

  • 2o Asimportâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. 

(…) 

  • 4o Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.                      

 

Portanto, depreende-se que o arcabouço legal já dava garantia à prática da premiação quando atrelada ao desempenho extraordinário, sem que isso fosse considerado participação no lucro, pois trata-se de política de incentivo de gestão de pessoas que valorizam os trabalhadores do 3º Setor, colocando-os em situação de isonomia com as demais organizações do setor privado. 

Aqui, importante, destacar que no contexto da ADI 5236/DF1 a Procuradoria Geral da República apresentou manifestação de que a interpretação restritiva do alcance da PLR excluindo a distribuição pelas entidades sem fins lucrativos padece de inconstitucionalidade material, por ofensa ao princípio isonômico e por inviabilizar o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho ainda que no contexto das entidades sem fins lucrativos. Ainda, salienta que lucro e resultado são instituto diversos onde  “[…]o conceito de lucro remete necessariamente ao resultado econômico da atividade empresarial, a definição de resultados remete ao cumprimento de metas previamente acordadas entre empregado e empregador, noção compatível a natureza das entidades sem fins lucrativos.” 

A PGR aopinar pela interpretação da distribuição da PLR em conformidade com os princípios constitucionaissalientou que inexiste qualquer afronta aos requisitos imunizantes do art. 14 do CTN, conforme trechos abaixo transcritos: 

Não constitui obstáculo ao reconhecimento do direito à negociação de PLR no âmbito das entidades sem fins lucrativos o argumento invocado pela Presidência da República,56 de que a norma impugnada reitera e implementa condição – não distribuição de lucros – imposta pela legislação tributária para gozo de imunidade tributária e de contribuição social pelas entidades sem fins lucrativos – (CR, arts150, VI–c e 195, § 7º;57 CTN, art. 14, I;58 Dec. 3.000/1999, art. 170, caput e § 2º59).  

Primeiro, porque a norma tributária não se refere, como condição à imunidade, à distribuição de resultados a empregados da entidade, a título de verba trabalhista voltada ao alcance de metas e ao estímulo à produtividade. Ao referir-se à distribuição de “qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título”, o art. 14 do CTN não se re fere a resultados operacionais, mas a resultados financeiros auferidos ao final da operação contábil, após deduzidos os custos operacionais, dentre os quais, a folha de pagamento, que abrange todas as rubricas trabalhistas, inclusive aquelas condicionadas ao atingimento de metas e resultados. Diferentemente do lucro, que se determina pela diferença entre a receita bruta e o custo da operação empresarial, a denominada verba de “resultado” paga a título de incentivo ao atingimento de metas constitui verba laboral variável, proporcional ao resultado obtido com o trabalho dos empregados e, portanto, como custo operacional.  

Ademais, a distribuição de resultados aos empregados, nos termos de norma coletiva, não descaracteriza a natureza benemérita de instituições de educação e as de assistência social, sem fins lucrativos, para efeito de imunidade do imposto de renda, de que trata o § 2º do art. 170 do Decreto 3.000/1999, já que a destinação de resultado econômico aos empregados, nesse caso, tem por finalidade promover o desenvolvimento de seus objetivos sociais, por meio de incentivo ao aumento da produtividade ou da qualificação do serviço, em plena sintonia com a norma de imunidade. O estabelecimento de programa de distribuição de resultados aos empregados, nesse contexto, não enseja perda do direito à imunidade tributária. 

 

Esse cenário, que ainda era considerado como inseguro para alguns atores do setor, começa a ganhar novos contornos advindo da alteração da Lei nº 10.101/2009, por meio Lei nº 14.020/2020. Originariamente a Lei nº 10.101/2009 dispunha que entidades sem fins lucrativos não estavam equiparadas a empresas para fins de PLR, situação que experimentou uma tentativa de mudança com a MP nº 905/2019, mas que teve a vigência encerrada em 18/08/2020. 

recente alteração em novembro de 2020 introduzida pela Lei nº 14.020/2020 possibilita a distribuição de resultado quandopautada em índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos: 

 

Art. 2o  A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo: 

[…] 

  •  3o  Nãose equipara a empresa, para os fins desta Lei:

I - a pessoa física; 

II - a entidade sem fins lucrativos que, cumulativamente: 

a) não distribua resultados, a qualquer título, ainda que indiretamente, a dirigentes, administradores ou empresas vinculadas; 

b) aplique integralmente os seus recursos em sua atividade institucional e no País; 

c) destine o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público, em caso de encerramento de suas atividades; 

d) mantenha escrituração contábil capaz de comprovar a observância dos demais requisitos deste inciso, e das normas fiscais, comerciais e de direito econômico que lhe sejam aplicáveis. 

[…] 

  • 3º-A. A não equiparação de que trata o inciso II do § 3º deste artigo não é aplicável às hipóteses em que tenham sido utilizadosíndices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.  (Incluído pela Lei nº 14.020, de 2020)

 

Resumidamente, para a operacionalização da concessãoas partes envolvidas (entidade e empregados), podem, nos termos da Lei nº 10.101/2009: 

 adotar os procedimentos de negociação estabelecidos nos incisos I e II do artigo 2º da Lei nº 10.101/2002 (comissão paritária /convenção ou acordo), simultaneamente; e  estabelecer múltiplos programas de remuneração variável, observada a periodicidade prevista em lei;; 

Ainda, é importante a adoção de regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos para a participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo;        

A observância de todas as regras fixadas na normativa, especificamente, em relação ao pagamento atrelado aos índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos, é de observância obrigatória para afastar representação dos órgãos de controle, sob a alegação de ter a entidade distribuído patrimônio. 

Recebemos a alteração normativa como um sinal de grande avanço e interpretação de um direito trabalhista à luz dos princípios constitucionais da igualdade perante a lei e da não-discriminação nas relações laborais, independentemente, da natureza jurídica do empregador. 

Essas são as nossas contribuições ao debate. 

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