O ensino presencial a distância e a lógica do cisne negro

Dr. Daniel Cavalcante, sócio da Covac Sociedade de Advogados

 

O autor líbano-americano Nassim Nicholas Taleb, em sua obra A lógica do Cisne Negro, descreve aquilo que denomina como um acontecimento improvável e que, em um cenário de exceção (cisne negro), muda drasticamente o destino do mundo nas mais diversas áreas do saber humano. Na medida em que as pessoas ficam inertes diante daquilo que não podem compreender, Taleb objetiva identificar o que é e como tirar proveito dele. A pandemia da covid-19 pode se enquadrar como um cenário de exceção, exsurgindo oportunidades até então não tão perceptíveis, sobretudo quando tratamos de ensino superior.

No que tange especificamente ao ensino superior, não restam dúvidas que a pandemia antecipou soluções e resoluções técnicas com o objetivo de reorganizar as atividades acadêmicas para evitar a propagação da covid-19. O esforço para estabelecer o isolamento social implicou no empenho das instituições de ensino superior de continuar ofertando os cursos por meio das chamadas aulas remotas, com chancela normativa do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação. Não se tratava da oferta de cursos na modalidade a distância, ao contrário do que muitos pensam, mas a oferta de cursos por meio de aulas mediadas por tecnologia, ou seja, com professores atuando de forma virtual e com aulas síncronas.

Essa situação despertou alunos, professores e comunidade acadêmica para um fato incontroverso: a mediação de aulas por meio da tecnologia passou, de forma abrupta, a outro patamar até então não vivido. Eis a lógica do cisne negro no ensino superior. No entanto, tal como o prenúncio da obra, que foi lançado em 2007 e reverberado com a pandemia, o Ministério da Educação também teve o seu prenúncio regulatório muito antes da pandemia e não apenas em relação ao ensino a distância, ou seja, a evolução perpassou necessariamente na modalidade presencial. Em 2001, o MEC estabelecendo que as instituições de ensino superior poderiam introduzir a metodologia não presencial mediada por tecnologia, limitando até 20% da carga horária total do curso, entre outros critérios.

Em 2004, o MEC criou a modalidade chamada de semipresencial, mas também com o limite de 20% da carga horária total de cada curso. Já em 2016, foi possibilitado que as IES que possuíssem pelo menos um curso de graduação reconhecido poderiam introduzir a oferta de disciplinas na modalidade a distância, também limitada a 20%. Em 2018, a pasta possibilitou o aumento de 20% para 40% o limite de oferta de disciplinas na modalidade EAD em função da carga horária total do curso, mediante o cumprimento de determinados requisitos. Isso estava vedada aos cursos presenciais na área da saúde e das engenharias. Já em 2019, a modalidade EAD em cursos de graduação presenciais, adotou o limite de 40% da carga horária total de cada curso, restringindo a oferta somente ao curso de medicina.

As regras acima se constituem como evoluções silenciosas nos atos normativos do Ministério da Educação ao longo do tempo, não se evidenciando totalmente no cotidiano das instituições porquanto havia, além de desconhecimento, um equivocado senso comum de que muitas disciplinas deveriam ser ministradas sempre de forma presencial. Esse senso comum também era potencializado por entendimentos equivocados das entidades representativas de classes profissionais, que relutam em reconhecer a tecnologia como forma de mediar o conhecimento. Muitos conselhos criaram até atos normativos que tendiam a dificultar o registro do diploma dos egressos de cursos que ofertassem disciplinas presenciais por meio da modalidade a distância e até mesmo os próprios cursos na modalidade EAD.

A pandemia obrigou que todos se reinventassem no meio do caos e nos ensinou, de um modo bastante doloroso, a não ignoramos a lição do Cisne Negro, como bem remonta Taleb, ou seja, de tendermos a ignorar as coisas que não compreendemos e olharmos apenas para as coisas que confirmam nossa opinião. A pandemia demonstrou de vez que o ensino remoto, subsidiado pela legislação que já existe, é a prova gritante que o ensino superior mudou de vez e que o ensino presencial na modalidade a distância é a lógica do porvir, da pós-pandemia.

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