A inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade

A inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade

Dr. José Roberto Covac Junior, sócio, e Regis Barbosa de Mello Junior, estagiário da Covac Sociedade de Advogados

Em decisão recentíssima, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 576.697, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu pela inconstitucionalidade da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade prevista no art. 28, §2º, da Lei nº 8.212/91, e na parte final do seu §9, fixando a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade”.

A decisão, por sete votos a favor e quatro votos contra, traz consequências imediatas para os contribuintes, pois caso não haja modulação dos efeitos do julgamento as empresas poderão reaver todos os valores recolhidos nos últimos cinco anos, ante a invalidação dos dispositivos que fundamentavam a inclusão na base de cálculo do tributo.

Nesse contexto, as seções a seguir apresentam e introduzem o julgamento da ação supracitada diante do Plenário entre as datas de 26/06/2020 e 04/08/2020 com base na discussão realizada pela Corte Constitucional e principalmente pelo ministro relator Luís Roberto Barroso, que conduziu o pleito sob o sistema de Repercussão Geral (Tema 72), evidenciando os entraves a serem superados para eficácia da aspirada democracia ideal.

Contextualização

É preciso reconhecer inicialmente que o salário-maternidade é figura presente na legislação brasileira desde a Constituição Federal de 1934 e, gradativamente, sofreu transformações positivas que alavancaram as questões relacionadas aos princípios da Igualdade e Isonomia, produzindo reflexões sobre o papel da mulher na sociedade como a criação e regulamentação dada pela Consolidação das Leis do Trabalho em 1946 e a influência de tratados internacionais como a Convenção n.º 103 – Amparo à Maternidade (Decreto n.º 58.820/66) da qual o Brasil foi signatário.

Tornam-se visíveis, conforme o cenário anterior, as primeiras movimentações em prol da proteção da maternidade com garantia de salário. Entretanto, tal feito caminhou paulatinamente, à medida que a obrigação legislativa do pagamento beneficiário recaía integralmente sob os ombros do empregador, gerando um ônus maior e desencorajando a contratação/aceitação das mulheres no mercado de trabalho.

O grande divisor desse pensamento engessado foi a Convenção n.º 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que ressaltava em seu artigo 4º: “Em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega”. Assim, ocorreu o surgimento da Lei Ordinária n.º 6.136/74, que resolveu tal disparidade ao passo que instituiu o ônus do salário-maternidade como obrigação da Previdência Social, ou seja, do próprio Estado brasileiro, através do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e não mais do empregador.

Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 consolidou os princípios e garantias almejadas pelos anseios das legislações anteriores, protegendo a trabalhadora brasileira no mercado de trabalho e adotando uma postura cidadã, com ampla proteção da mulher em relação aos benefícios previdenciários.

O julgamento da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade

O Supremo Tribunal Federal compreendeu a questão do cabimento do Recurso Extraordinário sem demonstrar qualquer adversidade. O questionamento principal nasceu da inconstitucionalidade da organização da seguridade social frente a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. 28, §§2º e 9º, alínea “a” (parte final) da Lei Orgânica da Seguridade Social n.º 8.212/91.

Importante salientar que a definição da natureza do salário-maternidade é um dos pontos que levantam maior controvérsia, ao passo que a terminologia correta encontra respaldo como benefício previdenciário. Porém, a doutrina diverge quanto a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade, uma vez que o art. 195, inc. I, alínea “a” da CF/88 não abarca tal hipótese.

Desse modo, o benefício supracitado foi moldado pelo ordenamento jurídico constantemente para assegurar uma consolidação na legislação brasileira, como no art. 7º, inc. XVIII e 201, inc. II da CF/88, arts. 71 a 73-A da Lei dos Benefícios da Previdência Social n.º 8.213/91 e nos arts. 93 e seguintes do Decreto n.º 3.048/99. Portanto, torna-se evidente a preocupação do legislador em relação às gestantes ou adotantes, ao especificar veementemente que se trata de benefício previdenciário, e não simples remuneração do trabalhador.

A Corte Constitucional, em última análise, já possui um precedente histórico que caminha na linha de pensamento favorável à desoneração do ônus previdenciário em relação ao empregador, na medida em que o STF optou por não submeter o salário-maternidade ao teto previdenciário estabelecido pela Emenda Constitucional n.º 20/98 em seu art. 14, diante da ADI n.º 1.946 proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal seguiu os precedentes anteriores e julgou pela inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade.

Considerações jurídicas

O papel das contribuições sociais é fator indispensável para compreender a destinação e o trajeto do orçamento da seguridade social, cuja funcionalidade é o próprio financiamento das ações nas áreas da saúde, previdência e assistência social, conforme as normas gerais previstas no art. 149 da CF/88.

Assim, os critérios essenciais abordados no art. 195, inc. I, alínea “a” da CF/88 para a classificação da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade devem ser preenchidos. Entretanto, as questões ligadas à contraprestação do trabalho e habitualidade do empregado não são atestadas (vício formal).

A contraprestação ao trabalho prestado (onerosidade) não pode ser auferida neste cenário, na medida em que durante a licença maternidade a gestante ou adotante não está realizando a função laboral de natureza retributiva ou qualquer serviço relacionado ao trabalho e, portanto, o contrato não vigora durante o período estabelecido. E a habitualidade do empregado, por sua vez, segue o mesmo preceito, apenas durante o tempo em que o estado de gestação ou adoção durar o segurado será contemplado pelo benefício previdenciário.

Além disso, a incidência da contribuição previdenciária sobre o benefício somente poderá realmente ser validada caso haja previsão através de Lei Complementar, e não por meio de Lei Ordinária. Diante do fato de que o pagamento do beneficio é realizado, direta ou indiretamente, pelo INSS e, portanto, deve obedecer aos devidos requisitos para que seja elaborada tal arrecadação pelo ente arrecadador, à luz do art. 154, inc. I da CF/88 em conjunto com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que reforça a possibilidade de tal medida em contribuições sociais.

O reflexo da isonomia e da igualdade em relação à mulher no mercado de trabalho

A regulação da vida em sociedade estabelece como preceito básico garantir que todos os seus integrantes, sejam eles homens ou mulheres, possam viver com dignidade desenvolvendo todas as suas potencialidades em plenitude, exigindo assim, uma realidade mais justa e igualitária.

A Constituição Federal de 1988 é precursora em garantir uma proteção especial à mulher gestante diante das medidas de licença maternidade, estabilidade provisória, salário correspondente, incentivo à proteção no mercado de trabalho, entre outros processos que permitem o empoderamento da mulher em busca da igualdade e isonomia, combatendo a carga histórica depositada sobre a própria mulher no âmbito familiar, visando a emancipação feminina do machismo estrutural.

Assim, a realidade da tributação da contribuição previdenciária sobre benefício do salário-maternidade apenas fomenta um mecanismo de oneração excessiva e barreira factual para efetiva contratação de mulheres, ao passo que a contratação temporária de outro funcionário ou atribuição de tarefas são fatores inevitáveis diante da ausência daquela trabalhadora devido à gestação ou adoção.

Neste contexto, a tributação funciona como um indutor de comportamento na sociedade mediante a utilização da extrafiscalidade dos tributos que, moderadamente, encontram limites na Constituição Federal. Tal fato visa impedir a violação de casos como este da onerosidade extra na incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, gerando empecilhos à contratação de mulheres, distanciamento da efetividade dos princípios da igualdade e isonomia e uma discriminação incompatível com o texto da Magna Carta.

As consequências finais do julgamento do Recurso Extraordinário

Todos os casos atribuídos ao Supremo Tribunal Federal que dispõem de Repercussão Geral carregam consigo grande impacto no funcionamento do Estado brasileiro, e não será diferente com o julgamento acima exposto, à proporção que o faturamento fiscal possivelmente sofrerá grande abalo, podendo ser agravado ainda mais por ações de repetição de indébito tributário que podem vir a ser apresentadas pelas empresas, caso não haja a modulação dos efeitos da decisão.

Nessa linha, ganha força diante de recentes notas publicadas pela Receita Federal do Brasil, a possibilidade da oposição de Embargos de Declaração com Modulação dos Efeitos da Decisão pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), frente ao impacto financeiro que poderá gerar tamanha determinação perante os efeitos retroativos.

Outrora a Corte Constitucional enfrentou situação similar, no julgamento da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS, logo a modulação de efeitos da decisão é uma resposta possível atualmente. Em mesmo fluxo, as empresas poderão se movimentar no sentido de receber amparo judicial antes de eventual modulação, através de liminar em mandado de segurança e/ou nas ações de repetição de indébito tributário, buscando evitar a modulação dos efeitos para si.

 

Abrir bate-papo
1
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?